Ricos nas federais, pobres nas privadas: a tragicômica realidade da educação superior no Brasil


O sistema educacional brasileiro é um sistema criado pelas Elites, com as Elites e para as Elites. 

Em todo canto do país funciona assim. Os melhores cursos, que levam às melhores profissões, ficam nas mãos das Elites. A classe trabalhadora e pobre recebe o que sobra, as tais "sobras" da Casa Grande. Fica com os cursos que "dá para fazer". Nenhum governo resolveu enfrentar isso de verdade, porque tudo no Brasil, inclusive as universidades, continua estruturado para servir aos mesmos grupos. "Ah, mas os governos Lula e Dilma melhoraram o acesso ao ensino superior com Prouni, Fies, etc. Dirão alguns". É verdade que houve mais acesso, mas em vez de ampliar a entrada da classe trabalhadora nos melhores cursos das públicas, esses governos ampliaram o acesso ao setor privado, principalmente ao EAD, garantindo bilhões às grandes empresas do ramo. Já os governos Temer e Bolsonaro atacaram os cursos das públicas que atendem mais os pobres e, ao mesmo tempo, colocaram ainda mais dinheiro público nas mãos dos bilionários do EAD. No fim das contas, o sistema educacional brasileiro diz que é para o povo, mas continua servindo às Elites. Até quando?

A desigualdade no acesso ao ensino superior não é falha ou acaso. É parte da estrutura educacional do país e acompanha a própria construção do sistema universitário. Desde o começo, o ensino superior brasileiro foi feito para atender um grupo pequeno e manter padrões elitistas que ainda existem. A ideia de que “as melhores profissões são reservadas às elites” aparece tanto em estudos sociológicos quanto na história da educação. Pesquisas mostram que, mesmo com a expansão do ensino superior nas últimas décadas, a distribuição das oportunidades continua desigual. Estudantes das classes populares se concentram em cursos de pouco prestígio ou em instituições privadas fracas, enquanto as elites seguem dominando as vagas mais valorizadas, especialmente nas universidades públicas e nos cursos com maior retorno econômico (CARVALHAES; RIBEIRO, 2019). Esse padrão é tão forte que o próprio acesso à universidade segue sendo o ponto mais desigual da trajetória educacional, mesmo após políticas de inclusão (SENKEVICS, 2022).

A expansão feita nos anos 2000 e 2010, com Prouni e Fies, aumentou o número de vagas e trouxe muitos estudantes de baixa renda para o ensino superior. Mas esse crescimento ocorreu principalmente no setor privado, estimulado com dinheiro público, e não mudou a estrutura elitista que define o prestígio dos cursos e das universidades públicas (MATTEI; BIDARRA, 2022). A contradição é clara: essas políticas abriram portas, mas reforçaram a dependência do Estado em relação aos conglomerados privados, sobretudo às grandes redes de EAD. São redes que recebem muitos estudantes das camadas populares, mas registram baixa permanência, muita evasão e resultados ruins (SACCARO, 2021; CORREIO BRAZILIENSE, 2024). A desigualdade, assim, não diminui. Só muda de lugar.

A história e a formação do ensino superior no Brasil ajuda a mostrar esse problema estrutural. Ao estudar a construção da historiografia acadêmica e das instituições universitárias, mostra-se empiricamente como a formação universitária, a pós-graduação e a produção científica surgiram dentro de um modelo que sempre favoreceu certos grupos e espaços. A história da profissionalização da História no Brasil revela um sistema restrito, guiado por critérios internos e acessível apenas a quem consegue superar barreiras econômicas e culturais criadas pelo próprio sistema (SANTOS, 2025). Esse processo passa por mecanismos de prestígio como revistas científicas, pós-graduação, associações e avaliações de produtividade. Eles definem quem pode ser reconhecido como “historiador profissional” e criam fronteiras que excluem grande parte da população do acesso ao debate científico e ao ensino superior de qualidade (SANTOS, 2025).

A pesquisa de (SANTOS apud RODRIGUES) também mostra, por meio de conceitos como geografia disciplinar, regimes de espacialização e memória disciplinar, que a universidade brasileira se consolidou como um espaço fechado, com normas e filtros que beneficiam quem já possui capital cultural. A profissionalização da História não foi um movimento popular, mas um arranjo construído por instituições fortes, quase sempre nos grandes centros urbanos e acessíveis às elites intelectuais (SANTOS, 2025). Isso reforça a ideia de que democratizar o ensino superior não significa apenas ampliar matrículas, mas garantir que as camadas populares cheguem aos espaços de prestígio, aos cursos que de fato mudam trajetórias de vida.

A partir desse conjunto histórico, sociológico e institucional, fica claro que o sistema educacional brasileiro vive uma dualidade: de um lado, universidades públicas de alta qualidade, com pesquisa forte, prestígio e concorrência enorme; de outro, um setor privado gigante, que recebe a maior parte dos estudantes de baixa renda, muitas vezes sem garantir qualidade. As políticas dos últimos governos, incluindo Temer e Bolsonaro, aprofundaram esse cenário ao cortar recursos das públicas, prejudicando cursos que atendem os filhos da classe trabalhadora, enquanto fortaleceram o financiamento indireto das privadas, sobretudo das modalidades EAD, um setor muito lucrativo e desigual (BIELSCHOWSKY, 2020).

A crítica central não é só que “as elites têm acesso aos melhores cursos”, mas que o sistema foi construído para funcionar assim, PARA PERPETUAR O DOMÍNIO DAS ELITES EM TODA A SOCIEDADE, desde a formação do ensino, até as políticas mais recentes. Com efeito, o sistema educacional brasileiro finge ser universal e inclusivo, mas continua seletivo, excludente e marcado por hierarquias sociais. A expansão trouxe mais matrículas, mas não mudou a estrutura. A pergunta final continua em pé: até quando o ensino superior brasileiro vai servir prioritariamente às elites, enquanto a classe trabalhadora segue com as sobras?



E. E-Kan 



BIELSCHOWSKY, C. E. Tendências de precarização do ensino superior privado no Brasil. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 36, 2020. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/99946 Acesso em: 28 nov. 2025.

CARVALHAES, F.; RIBEIRO, C. A. C. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: desigualdades de classe, gênero e raça em um contexto de expansão educacional. Tempo Social, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 195-233, 2019. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/135035 Acesso em: 28 nov. 2025.

CORREIO BRAZILIENSE. Ensino superior no Brasil tem 57% de evasão na rede pública e privada (2024). Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/ensino-superior/2024/05/6852929-ensino-superior-no-brasil-tem-57-de-evasao-na-rede-publica-e-privada.html
Acesso em: 28 nov. 2025.

MATTEI, T. S.; BIDARRA, Z. S. O papel do FIES e do PROUNI na privatização, mercantilização e financeirização da educação superior brasileira. Barbarói, n. 61, 2022.
Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/17589 Acesso em: 28 nov. 2025.

SACCARO, A. Ampliação do ensino superior brasileiro: um estudo sobre as causas da evasão e o impacto da Bolsa-Permanência do PNAES. Dissertação (Mestrado) — PUCRS, 2021.
Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/10002 Acesso em: 28 nov. 2025.

SANTOS, G. RODRIGUES, L. R. A historiografia brasileira profissional segundo Wagner Geminiano dos Santos. Artigo acadêmico (História – UEPG), 2025. Arquivo fornecido pelo autor. ARTIGO_seminário_UEPG_2025. A invenção da historiografia brasileira profissional, acadêmica: geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980–2012). Tese (Doutorado em História) — UFPE, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/32449 Acesso em: 28 nov. 2025.

SANTOS, Wagner Geminiano dos. Regime de espacialização da educação pública: projetos de universidade, políticas de educação e saber histórico no Brasil (1964–2020). Revista Maracanan, n. 32, p. 103–127, 2023. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/9054114.pdf Acesso em: 28 nov. 2025.

SENKEVICS, A. O acesso, ao inverso: desigualdades à sombra da expansão do ensino superior brasileiro. Inep, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/estudos-educacionais/desigualdade-no-ensino-superior-evidencias-2022 Acesso em: 28 nov. 2025.

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