Se antes de nascer, algum Deus ou Demônio, ou qualquer outra coisa lhe perguntasse: você quer nascer? Sim ou Não? Qual seria a sua resposta?
Se antes de nascer, algum Deus ou Demônio, ou qualquer outra coisa lhe perguntasse: você quer nascer? Sim ou Não? Qual seria a sua resposta?
Imagine uma oferta radical de liberdade: existir ou não existir. Sem passado, sem futuro, sem contexto. Apenas o ato de escolher. A partir desse cenário hipotético surge uma pergunta forte: ter consciência do nada — e decidir mergulhar nele. A partir desse “sim” ou “não” — tudo.
Para Leibniz, a liberdade humana não se confunde com um poder mágico de fazer tudo arbitrariamente. A liberdade verdadeira depende de três condições: inteligência, espontaneidade e contingência. A alma, em sua autonomia, pode deliberar sobre várias possibilidades e escolher aquela que lhe parece melhor. Essa escolha é contingente — isto é, poderia ter sido diferente — ainda que o entendimento perceba algo como “o bem aparente” (LEIBNIZ, 1689 apud LACERDA, 2021).
Numa oferta pré-existência, Leibniz talvez visse a possibilidade de escolha como legítima. A alma, dotada de entendimento e liberdade, poderia ponderar: nascer seria “o bem”, ou seria melhor não existir? A liberdade não se perde por ser exercida. Ela se expressa nesse momento de decisão radical.
Para Schopenhauer, no entanto, a noção de livre-arbítrio humano é desfeita. O homem, enquanto fenômeno, age segundo causas: estímulos, motivos, caráter — todos determinados, previsíveis. A liberdade consciente, nessa visão, não passa de ilusão. O que existe, em última instância, é a Vontade, cega e impessoal, projetada no mundo como sofrimento e desejo interminável (SCHOPENHAUER, 1838).
Se essa pergunta fosse feita a Schopenhauer, o “não” talvez parecesse lógico — a vontade, sem consciência autônoma, não poderia decidir “vir a existir ou não”. A existência viria sem consentimento real, e toda ação futura seria apenas repetição de uma Vontade irracional e inexorável.
Já Nietzsche mudaria totalmente o tom da questão. Para ele, a vida é afirmação: a “vontade de potência” não busca apenas sobreviver, mas criar, transformar, superar-se. Essa força que move o mundo não é moral, metafísica ou religiosa — é vital, imanente.
Se antes de nascer alguém perguntasse “você quer existir?”, Nietzsche provavelmente diria sim — pela oportunidade de afirmar a própria vontade, de gerar novos valores. Ele veria no “sim” uma chance de transformar o vazio, de transformar o nada em criação. O “não” seria uma renúncia à potência de existência, uma recusa ao jogo da vida.
Por fim, Cioran aparece como um espelho sombrio desse dilema absoluto. Para ele, existir é um absurdo permanente. Viver — ou melhor: carregar a consciência do viver — é suportar o peso de um mundo sem justificativas. A consciência torna tudo mais pesado: o que antes era natural passa a doer. A vida, nessa visão, não pede “porque sim”, pede uma resignação crua — se é possível, talvez a partir da recusa.
Se alguém viesse me perguntar antes de eu existir, “você quer nascer?”, nessa perspectiva cioraniana talvez o “não” soasse como clareza. Não por sofrimento, não por cansaço — mas por liberdade absoluta: uma recusa ao absurdo de ser lançado no mundo sem pedir, sem saber.
Cada visão filosófica dá um tom diferente à pergunta. Em Leibniz, liberdade e razão permitem a escolha — e a escolha vale por si. Em Schopenhauer, a liberdade é ilusória, e a decisão não se sustenta fora da Vontade cega. Em Nietzsche, existir significa afirmar: aproveitar a chance de criar, de transvalorar, de viver com intensidade. Em Cioran, uma recusa pode ser uma afirmação — menos de vida, talvez, mas de uma liberdade radical.
Talvez o mais realista, entre todos, seja reconhecer que cada resposta vale como decisão ontológica: “sim” ou “não” não são apenas respostas, mas modos de existir — ou de não existir.
Ou, sobretudo, a liberdade total de se recusar a existir num mundo como esse, preferindo continuar Sendo sem ser, Existindo sem existir.
A resposta NÃO para a Existência não é negação da Existência e da Vida, ao contrário, é o confronto final e supremo com todas as ideias de "Liberdade" e "Livre Arbítrio".
Assim, o "NÃO QUERO" é o cúmulo da Liberdade Total e do Supremo Livre Arbítrio, onde você não é obrigado a Existir e Viver, porque simplesmente esse é o seu desejo, a sua vontade.
Contudo, voltando para 'o mundo real', onde, tragicomicamente, a Liberdade não é totalmente livre e o Livre Arbítrio é restrito, uma vez existindo, podemos escolher entre viver da nossa maneira? Deixar de viver quando bem entender? Não viver conforme a 'sociedade' e os outros esperam que você viva e seja, e ser respeitado por isso?
E. E-Kan
Referências
LEIBNIZ, G. W. Discurso de Metafísica. Trad. Juliana C. Silva e William de S. Piauí. Editora Vozes, 2024.
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a liberdade da vontade. 1838.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal / A vontade de poder. Diversas edições.
LACERDA, Tessa Moura. A Liberdade de Leibniz. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, v. 12, n. 1-2, p. –, 2021.
SILVEIRA, Alessandro Soares. “Operari sequitur esse”: a crítica de Schopenhauer à noção de livre arbítrio. Pólemos, v. 11, n. 24, 2025.





Comentários
Postar um comentário