A mente como uma máquina do tempo
Numa certa época, há muito tempo 'na história pra trás', sem nenhuma crise de consciência, eu passava os dias bebendo, tocando violão, compondo, lendo tudo o que eu podia ler, por mais perda de tempo e inútil que fosse. Buscando entender 'o que é isso tudo, a vida?', eu usava a minha mente como uma máquina do tempo, e como se viajasse no tempo de fato, eu imaginava como viviam e pensavam as pessoas em todas as eras, desde a loucura que seria viver e morrer na Idade da Pedra, como era a rotina dos homens e mulheres dessa era longínqua. Imaginava a indignação e a ironia de Sócrates ao saber que foi condenado à morte por causa das suas opiniões antes mesmo de ser julgado, sobretudo, por falar algumas de suas verdades aos endinheirados de sua época que se achavam donos da verdade e do mundo em Atenas. Também, imaginava eu como foi para César quando percebeu que tinha caído numa tocaia em pleno Senado feita por um cara como Brutus, a quem ele tinha um grande afeto e que iria morrer por suas mãos traiçoeiras. Será que César pensara que teria sido melhor ouvir seus instintos sobre Brutus, que cedo ou tarde ele aprontaria alguma coisa? Imaginava ainda sobre o que de fato sentiu JC quando disse: 'Pai, por que me abandonastes?', o que sentiram os pais de Hitler quando ele nasceu, o que sentiram os que sabiam que iriam morrer quando da Gripe Espanhola, o que se passou na mente do primeiro homem que deu o primeiro tiro na Primeira Guerra Mundial, a profunda e dramática tristeza que sentia Santos Dumont no momento em que passava a gravata em torno do pescoço pronto para cometer suicídio, a até a profunda angústia de Oppenheimer quando do teste da Bomba H 'Trinity' em Los Alamos e tantas outras coisas que eu loucamente imaginava. Com efeito, não imaginava-me apenas como observador à distância, mentalmente, eu me imaginava dentro da cena, invisível aos personagens do tempo em questão, podendo, assim, chegar próximo de César e imaginar sentir o seu último suspiro ensanguentado, ou estar do lado da Cruz de JC na hora em que Longinus enfia-lhe 'a lança do Destino', imaginando ver o sangue vermelho vivo, como o de todos os mortais, jorrando para todo o lado enquanto sua vida se esvai, ou a estranha alegria de Klara olhando para aquele indefeso menininho de olhar azulado magnético sem imaginar que ele um dia levaria o mundo à beira do caos total, ou ainda imaginar estar no quarto com Oppenheimer quando ele sentiu que o Câncer na Garganta iria matá-lo e imaginar se, na mente dele, isso seria uma punição, uma libertação ou nada disso, enfim. E assim eu passava meus dias, caminhando entre a história e a filosofia, como numa máquina do tempo, entre os pensadores principais, mas sobretudo, entre os menos importantes, escrevendo e refletindo sobre essas coisas todas e também sobre Vida, morte, depois, agora, futuro, passado, presente, sempre me perguntando, como até hoje, nesse agora, faço: por que diabos existe tudo o que existe? Qual é a porra da lógica de tudo existir? Se Deus existe, de onde ele saiu? Do nada absoluto? Da Escuridão? Deus foi criado, como todos nós? Quem criou Deus? E quem criou o Deus que criou Deus? E antes? E antes? E antes? De onde raios veio tudo? Para onde raios vai tudo? Qual o sentido da vida de fato? Há algum sentido nessa porra toda? Alguns dizem: 'Nós é que damos nosso próprio sentido à Vida', e daí? Isso nos livrará dessa insana desolação eterna? Algum dia chegaremos a alguma resposta para essas coisas interessantes e, ao mesmo tempo, perturbadoras? Ou só teremos a imaginar, como que usando nossa mente como uma máquina do tempo, viajando bilhões de anos no futuro, no espaço/tempo e para além disso tudo, ainda que isso seja uma puta perda de tempo, inútil? Na Faculdade de Filosofia, certa vez, fiquei sabendo do suicídio de um cara do quarto e último ano, um cara legal, bem-sucedido na vida, um Arquiteto que fazia Filosofia. Ele se matou pulando do prédio onde morava, uma morte horrenda. Numa das anotações que ele deixou, estava sublinhado sobre os 201 termos "Objetos" contidos na Crítica da Razão Pura de Kant, quase como uma estranha alusão crítica a Descartes que dizia que "Os sentidos nos enganam", o cara suicida, dizia, então: "Não são os objetos que nos enganam, nós é que nos deixamos enganar pelos objetos". Por que diabos ele teria deixado aquilo sublinhado, saltando aos olhos de todos? E lá fui eu, com a minha mente/máquina do tempo, ler a insuportavelmente pesada, Crítica da Razão Pura do Kant, pela enésima vez e, ao mesmo tempo, imaginar/ver o cara, largar o marcador de texto, fumar o seu último cigarro, caminhar lentamente para a janela, abri-la e decididamente, sem pestanejar, pular para a morte com um olhar vidrado num horizonte de nada absoluto, até o impacto. Qual seria o nível de dor que a pessoa sente naquele micro-tempo/espaço, naquele milésimo de segundo antes do fim? O que se passará na cabeça da pessoa na hora do impacto? Quem saberá? Mais de um milhão de indivíduos se suicidam todos os anos em todo o Planeta. Por que as pessoas se matam? Durkheim dirá que "na maioria das vezes, o indivíduo portador da 'ideia do suicídio' quase sempre não sobrevive". A verdade é que ninguém saberá exatamente o porquê. E assim, sigo caminhando pela história desse mundo cão, até os dias de hoje, bebendo menos perto da casa dos 50, mas com a minha mente afiada, quase sempre, transformada numa máquina do tempo, tentando entender, ver de perto, sentir de perto, por uma combinação de uma insana imaginação, advinda da soma das experiências da vida, dos livros, das longas pesquisas, dos estudos, sobretudo, pela leitura teórica e prática da vida, da realidade e da supra realidade. É por isso que beber é algo quase sagrado para mim. Também, ir ao bar beber junto aos loucos, idiotas, cornos e putas, ainda que conservadores, conversadores, burros pra caralho, é uma espécie de terapia, auto-terapia. Sim, no fundo eu os detesto, mas eles me divertem, compreende? Viver é preciso, ainda que certos estilos de vida possam ser uma tremenda idiotice, como o meu.
E. E-Kan





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